sábado, 22 de julho de 2023

 

Capitalismo e cumplicidades com o fascismo?[1]

A ascensão do fascismo nas primeiras décadas do século XX, como foi o caso, na Europa, da Itália (1922) Alemanha (1933), Portugal (1933), Espanha (1936) e, na Ásia, do Japão (início da década de trinta) não ocorreu num vácuo nem por qualquer acidente de percurso, foi a resposta que as elites capitalistas dirigentes encontraram para tornear a crise profunda que o sistema então enfrentou.

Essa crise foi provocada por vários fatores, entre os quais se destacaram as crises inflacionarias que se seguiram ao termo da primeira guerra mundial, com uma economia extremamente desorganizada, escassez de bens de primeira necessidade e desemprego maciço, ligado à desmobilização das tropas, antes envolvidas no conflito.

Estes fenómenos económicos e sociais – hiperinflação, escassez de bens, desemprego maciço geraram profundo descontentamento das populações aproveitado pelos movimentos de esquerda para desestabilizar o sistema produzindo reivindicações e agitação social. Como é obvio, as elites capitalistas não podiam ficar indiferentes a estes acontecimentos pois temiam não só o sucesso da revolução socialista soviética como anteviam a possibilidade desta se estender a outras geografias. Quer dizer todos estes fatores colaboraram no sentido de fazer tremer o sistema capitalista e as suas elites que nesse contexto percebiam que as democracias liberais com as suas liberdades formais e o seu estado de direito não seriam a ferramenta adequada para lidar de forma musculada com as dificuldades sentidas.

Não por acaso os países nos quais o fascismo se implantou com mais sucesso e força foram precisamente os grandes derrotados da primeira guerra mundial; a paz imposta foi humilhante para os vencidos e as elites desses países bem como as classes médias temiam que a instauração de regimes socialistas, alimentada pelo exemplo da união soviética, fosse bem-sucedida.

Mas não se pense que os países capitalistas não fascistas se distanciaram destes, como se impunha, dado apresentarem-se como democracias liberais; bem pelo contrário, mais ou menos abertamente mostraram, através de representantes ilustres, se não a sua simpatia pelo menos a sua compreensão por estes regimes, tanto antes da segunda guerra mundial como mesmo depois; lembremos, por exemplo, que o Portugal de Salazar, declaradamente fascista, foi membro fundador da NATO, organização que incorporou em 1949, apesar de ter sido  óbvia a simpatia do salazarismo para com o regime nazi. E isto aconteceu porque o fascismo garantia aberta e insistentemente o seu odio ao comunismo que era também o maior temor dos países capitalistas.

Numa outra dimensão foi o temor pelo socialismo que alimentou o estado de bem-estar social promovido pelas democracias liberais capitalistas do pós-guerra que tentaram prevenir conflitos e rebeliões sociais fazendo cedências comportáveis às suas populações trabalhadoras.

Temos assim que no decurso entre as duas Guerras o fascismo foi visto com um olhar benevolente pelas classes dirigentes da generalidade dos países capitalistas pois afinal era um aliado, embora incómodo, na luta contra o comunismo, que tanto temiam e diabolizavam, como o inimigo número um a abater. Por isso, apesar de insólito, compreende-se à luz do processo histórico a simpatia e compreensão de Churchill, campeão da democracia liberal ocidental, por Mussolini e por Hitler, e este é apenas um exemplo paradigmático.

Em relaçao à segunda guerra mundial, tudo aponta no sentido de que os países ocidentais teriam tolerado a expansão nazi alemã desde que esta se tivesse focado única e exclusivamente nos países do leste europeu, incluindo obviamente a união soviética, pois seria um serviço não negligenciável que esta lhes prestaria.

De modo que a segunda guerra mundial, tal como a primeira, também revestiu a forma de um conflito entre dois blocos capitalistas, dos quais um deles - os chamados países do eixo - pretendia uma divisão mais equitativa do ’espaço vital’ e dos recursos, sendo a união soviética apanhada no meio do furacão e tendo de se aliar a um dos blocos, por uma questão de sobrevivência, para evitar a sua pura e simples destruição. Claro que assinada a paz começou a guerra fria … com os desenvolvimentos que se conhecem.



[1] Aconselho a leitura do artigo “Capitalismo, fascismo e guerra “, de Jorge Cadima, in INTERNACIONAL, EDIÇÃO Nº 373 - JUL/AGO 2021, que me inspirou a escrever este texto.

 

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