domingo, 26 de março de 2023


Neoliberalismo e feminismo

O neoliberalismo desde cedo percebeu como era importante ganhar a guerra cultural; temos disso a prova provada na invenção e divulgação da novilíngua, uma espécie de revolução silenciosa de que nem sequer nos apercebemos e também no apoio a uma nova tendência dentro do movimento feminista que podemos apelidar de feminismo neoliberal.

Abro aqui um parêntesis para explicitar que a guerra cultural, até ao momento ganha pelo neoliberalismo, basicamente tem por objetivo mudar as mentalidades, construindo novas categorias concetuais que uma vez assimiladas e utilizadas pelas pessoas no seu linguajar corrente alteram as suas perceções, o seu modo de pensar a si mesmas e à realidade. David Harvey em A Brief History of Neoliberalism  chama a nossa atenção para este fenómeno pelo qual o neoliberalismo conseguiu transformar, por via discursiva, de forma pacífica e trivial, as suas ideias fortes  em senso comum: aquilo que toda a gente afirma e pensa sem se aperceber que está a reproduzir os estereótipos do sistema neoliberal em que vive.

Neste contexto de matriz cultural, o neoliberalismo, não podendo ignorar o feminismo, procurou cooptá-lo para a causa. Reconheceu que este movimento atrai um número considerável de mulheres e de mulheres altamente colocadas socialmente, e seguiu o velho ditado: se não podes vencer o inimigo, junta-te a ele.  

Como seria de esperar, privilegiou a fação menos radical do feminismo, precisamente a do feminismo liberal, mas, mesmo assim, ainda o expurgou da dimensão social e contestatária e empenhou-se, sobretudo, na construção de uma nova subjetividade feminista.

Apostou num novo modo da mulher feminista se perceber a si mesma. E de acordo com os princípios neoliberais, esta vai perceber-se como um sujeito autónomo, responsável por si e pelas suas opções; um sujeito que, por exemplo, pesa os custos/benefícios de se engajar numa carreira profissional e decide livremente. É a racionalidade neoliberal que fornece o modelo: a liberdade de escolha está garantida (formalmente) e cabe a cada uma fazer o que bem entender com essa liberdade.

Assim, enquanto o feminismo liberal ainda correspondeu a uma exigência e a uma crítica ao sistema liberal, que não estava a reconhecer às mulheres os direitos que reivindicava para os homens e as excluía da esfera pública, o feminismo neoliberal adapta-se ao sistema, ao qual não exige nenhuma alteração, pelo que parece legítimo concluir que se vai colocar ao seu serviço e não das próprias mulheres, achando provavelmente que este lhes convém e responde às suas necessidades fundamentais.

Com esta posição, o feminismo neoliberal, embora reconheça a desigualdade de género, dado o enquadramento individualista em que se insere, esquece muito oportunamente o problema estrutural da descriminação, esse sim complexo e impossível de resolver com meras declarações formais. Pretende que serão as mulheres, individualmente falando, que terão de lutar pelos seus direitos pois não atribui essa desigualdade a fatores económicos, sociais e culturais, mas ao facto de as próprias mulheres terem interiorizado impedimentos que afinal dependem delas próprias para serem ultrapassados.

Este tipo de feminismo passa completamente ao lado da análise das estruturas de poder que favorecem a dominação masculina. Não reconhece que há estruturas sociais que obstaculizam a igualdade de direitos entre homens e mulheres e atribui a culpa pela não integração na vida política, no mercado de trabalho, etc., às próprias mulheres, que teriam interiorizado barreiras inibidoras (cfr. Sandberg, Lean In). Claro que fica por explicar porque é que as mulheres têm barreiras interiores que as impedem de progredir na esfera pública, é tudo reduzido à fórmula do “querer é poder” que muitas de nós aprendemos na mais tenra infância e de que nunca mais nos livramos.

Claro que uma conceção atomística de sociedade e a negação da existência das estruturas informais que regulam e enquadram as relações sociais só pode dar no voluntarismo: as mulheres não fazem mais porque não querem, não tem força de vontade …. Desse modo, ‘escolha livre’, ‘igualdade de oportunidades’, ‘ponderação de custos/benefícios’, são os chavões do feminismo neoliberal.

Com esse “aggiornamento”, o neoliberalismo obteve um ganho acrescido, mostrou a modernidade da democracia liberal que afinal, ao incluir também pautas feministas, corresponderia ao melhor dos mundos possíveis, bastando para tal estabelecer comparação com outros países que não são democracias liberais, nos quais as mulheres continuam marginalizadas da vida social e política. Não foi proeza menor!

sexta-feira, 24 de março de 2023

 

Os pés de barro do liberalismo

O liberalismo é uma teoria política que podemos designar de idealista porque ignora a base material - nela incluídos os circunstancialismos históricos - que se encontram a montante das ideias e das formações políticas. Citemos alguns casos que confirmam esta asserção; por exemplo, o liberalismo:

·        Ignora que o princípio da ‘soberania popular’ só foi defendido pela revolução burguesa porque no momento histórico em que se vivia – finais da época moderna - era preciso incluir o povo no processo emancipatório relativamente ao poder monárquico absoluto, para que o movimento ganhasse expressão e saísse vitorioso. Mas logo de seguida torneou a questão e restringiu o direito de voto apenas aos proprietários. É certo que, posteriormente, a duras penas, o direito de voto foi alargado, mas as opções propostas passaram a ser entre a e b sendo a e b ‘farinha do mesmo saco’. Portanto, poderia legitimamente perguntar-se: como é que pode haver soberania popular se o povo sequer tem representação política ou se não existem reais opções?

·        Desconsidera que o princípio da ‘divisão tripartida do poder’ só foi defendido porque interessava tirar aos monarcas e aos seus acólitos aristocratas a concentração do poder; de seguida, que este se voltasse a concentrar nas mãos, agora, da burguesia, mas não do povo, era problema menor. Mas pode legitimamente colocar-se em questão que uma independência formal entre os poderes signifique independência real.

·        Omite que defende as ‘liberdades individuais’ porque percebe que não há qualquer perigo de que estas venham a pôr em risco os interesses dos indivíduos das classes privilegiadas porque são estes que têm condições materiais para delas usufruírem, Para os outros – a vasta maioria - serão liberdades formais de escasso ou mesmo nulo alcance. Todavia pode questionar-se o valor das liberdades individuais quando estas de facto são apenas para alguns.

·        Não admite que se recusa a aceitar a existência de classes sociais e só reconhece existência aos indivíduos isolados porque à elite interessa a atomização social que lhe é profundamente favorável: indivíduos isolados, competidores e indiferentes à sorte alheia não têm poder reivindicativo, não vão ser exigentes, não vão colocar em risco o sistema. Cumpre então perguntar, a quem afinal convém uma conceção individualista de sociedade?

·        Não quer perceber que, enquanto teoria política, se encontra vocacionado para a defesa dos interesses não de todos os indivíduos, que define formalmente como iguais e livres, mas tão simplesmente de uma classe social, no caso, a burguesia. É de indagar com que legitimidade se arroga o direito de se auto proclamar ’democrática’.

Os princípios acima referidos: ‘soberania popular’; ‘divisão tripartida dos poderes’; ‘individualismo’; ‘liberdades individuais’; ‘democracia’, são princípios fundamentais defendidos pelo liberalismo. Se se prova que estes princípios, tal como o liberalismo os apresenta, não resistem a uma análise crítica reveladora do viés que os coloca a serviço da elite dominante, que resta do liberalismo?  O que é que o distingue dos regimes totalitários que pretende execrar?

De resto já começamos a ver, em países liberais e civilizados, as ameaças de novos fascismos adaptados aos novos tempos e já começamos a ver partidos liberais a não rejeitarem a ideia de fazer alianças de governo com partidos de extrema direita. Isto permite prever que as elites, se virem ameaçados os seus interesses, não hesitarão em colaborar, embora a contragosto, com partidos de vocação totalitária: vão-se os anéis, mas fiquem os dedos.

quarta-feira, 22 de março de 2023

 

É o Capitalismo, estúpido!

É preciso que percebam de uma vez por todas que as causas dos males que nos afligem não estão com os políticos, nem com a esfera política, mas decorrem do sistema económico em que vivemos que é o capitalismo.

Os políticos são tão simplesmente a fachada de que o capitalismo se serve para navegar e se manter. De resto é fácil ver que, quando os governos não se prestam e pretendem fugir à subserviência aos seus ‘senhores’, são rapidamente derrubados ou desprestigiados e acabam por perder a eleição seguinte, numa palavra, são afastados, ou por meios violentos ou por meios 'pacíficos' e legais. Isto é fácil de conseguir desde que se domine a comunicação social nas suas formas mais importantes e de maior capacidade interventiva e nós sabemos - penso que é consensual - quem domina a comunicação social, tanto a clássica como a digital, logo, quem mexe os cordelinhos do poder no qual os políticos são as marionetes, os fantoches.  

O segredo do sucesso do capitalismo tem residido em boa parte no facto de manter a aparência e o verniz democrático, que, todavia, está cada vez a estalar mais, permanecendo ele próprio profundamente antidemocrático. Fala em liberdade, mas esconde que a liberdade que lhe interessa é a dos mercados, ora quem domina os mercados são obviamente as corporações capitalistas, nomeadamente os bancos e o setor financeiro em geral. Fala em direitos humanos, todavia ignora ostensivamente que a primeira e básica condição para gozar direitos é ter asseguradas as condições materiais de sobrevivência, mas sobre isso diz zero e faz nada; bem ao contrário.

Portanto será bom começarem a perder o medo e restaurarem palavras de ordem que levem as pessoas a perceber onde reside o problema, e o problema reside no sistema de vida social que o capitalismo engendra. Só assim, encontrando a causa, se pode começar a pensar em soluções possíveis para a eliminar; se pode começar a imaginar e a figurar um futuro diferente.  Neste aspeto os partidos de esquerda, na sua maioria de esquerda liberal, ainda alimentam a ideia peregrina de que o capitalismo é remodelável e por isso nem falam nele, falam sempre em medidas pontuais, exemplo, aumento de salários, melhores serviços públicos, política anticorrupção, etc., isto é, atacam os sintomas, mas não a causa da doença. Atacam os políticos, mas não os poderes económicos que os sustentam  Estes partidos são muito bem-comportados e, com tal procedimento, tornam-se perfeitamente irrelevantes; por isso o sistema capitalista permite a sua existência, até para mostrar que afinal é pluralista. Só não percebe isto quem não quer ver.

domingo, 12 de março de 2023

 

Hegemonia e expansão do neoliberalismo – causas e condições

Em primeiro lugar precisamos perceber que o neoliberalismo não é na sua essência diferente do liberalismo e já estava no bojo do liberalismo, só que  a revolução soviética de 1917, com a promessa de instauração de um regime socialista, levou as democracias liberais a darem passos atrás e a fazerem cedências que se traduziram no designado ‘estado de bem-estar social’.

O estado de bem-estar social implicou o reforço do papel do Estado no controle da economia, retirando ao mercado setores que se entendeu não deverem ser regidos pelo princípio liberal da oferta e da procura. Todavia, tao logo as circunstâncias se alteraram, o neoliberalismo surgiu e retomou o projeto liberal na sua pureza originária.

A partir daí, os anos de ouro de políticas keynesianas (1930 -1970) foram postos de lado assim que se perceberam as fragilidades da união soviética, o que foi precipitado pelas crises do petróleo de 1973 e de 1979 que levaram a uma quebra significativa da acumulação capitalista – leia-se lucros das empresas. Com estas crises, as elites sentiram-se ameaçadas pois os seus lucros diminuíram muito e viram-se obrigadas, para se manterem enquanto elites, a adotarem o novo programa.

O programa neoliberal começou a ser posto em prática a partir dos finais da década de setenta, no Reino Unido com M. Tatcher e nos Estados unidos com R. Reagan. Contou com instrumentos como o Banco Mundial e como o Fundo Monetário Internacional (FMI), organização internacional que tinha sido criada em 1944 na Conferencia de Bretton-Woods com o objetivo de ajudar a manter estável o sistema monetário internacional e a emprestar temporariamente dinheiro a países em crise.  Esse fundo foi inicialmente constituído por 29 países membros que para ele contribuíam e posteriormente alargado. Nesta instituição, o país que praticamente tinha saído incólume da guerra - os Estados Unidos da América – pode impor a sua perceção da economia e dos mecanismos que deviam ser adotados para reequilibrar as contas públicas de países endividados - a famosa dívida pública.

O FMI constituiu  a porta de entrada do neoliberalismo em muitos países que endividados e precisando de dinheiro tiveram de se sujeitar para o receber a adotar politicas neoliberais: privatizações, redução dos serviços sociais do estado,  reforma do mercado de trabalho flexibilizando  o emprego ou melhor facilitando os despedimentos. Aquilo que na nova terminologia se designava de ‘ajustamento estrutural’ exigia sacrifícios às classes trabalhadoras tanto pela perda de direitos trabalhistas como pela perda de direitos sociais -  corte direto e indireto dos direitos dos trabalhadores, obtido através da estagnação dos salários e de cortes nos benefícios sociais, com o argumento de que o Estado não podia continuar a ser perdulário e era preciso equilibrar as contas públicas ( não se cogitava sequer que tal poderia/deveria ser feito através de impostos progressivos sobre a riqueza e seus detentores).

Isto foi feito na América do Sul e posteriormente em vários países europeus. Significou privatizações, entrada de investidores estrangeiros que compram nas melhores condições para si mesmas as empresas a privatizar.

Neste contexto, por um lada a necessidade sentida de criar circunstancias mais favoráveis ao capital e, por outro, a possibilidade de o fazer, dado não haver condições de contestação, criaram o clima perfeito para se instaurarem as políticas neoliberais que, de seguida, através do aparelho cultural e das  instituições acima referidas se tornaram hegemónicas e que a potência que liderou  o processo– os Estados Unidos - pôde impor a muitos outros países, ou pela força pura e dura (golpes de Estado) ou pela imposição de políticas económicas que esses países não se encontravam em condições de recusar. Temos o exemplo do Chile no primeiro caso, que afastou pela força o governo democraticamente eleito de Salvador Allende, e de outros países. No segundo caso, também na América latina, muitos países mergulhados em crise económica profunda viram-se obrigados a apelar ao FMI e a aceitar as condições draconianas por este impostas. Posteriormente na sequência da crise de 2008, Portugal, Grécia e outros países europeus experimentaram a mesma pressão e foi-lhes prescrita a mesma receita.

Portanto, resumindo, na imposição e hegemonia do neoliberalismo temos o choque petrolífero da década de setenta, o empobrecimento de muitos países que foram alvo ou de golpes de estado ou da imposição de políticas neoliberais para responder às crises por que passavam, provocadas elas propiás pelo sistema capitalista, mas ‘pagas ‘pelo povo. Esta situação foi resumida numa tirada que se tornou clássica, a qual diz que o capitalismo, em tempos de 'vacas gordas', privatiza os lucros; em tempos de crise, socializa os prejuízos.

Assim vai o mundo. Querem melhor? Então não esqueçam que a inteligência é uma força mas que se não ficarem espertos vão continuar a ser comidos pelos outros! Tão certo como dois e dois somarem quatro. 

quinta-feira, 9 de março de 2023

 

Capitalismo e acumulação de capital - a guerra como recurso instrumental

No contexto do capitalismo que nos governa - ou desgoverna - o que acontece é que as guerras funcionam como um mecanismo de acumulação de capital - o fenómeno da ‘acumulação primitiva’ - por vias diferentes das que inicialmente moveram os capitalistas da idade moderna (sobretudo nos séculos XVII e XVIII). Estes por meios ‘legais’, preparados pela esfera política, apropriaram-se de recursos e terras comunais cujo usufruto foi desse modo retirado aos camponeses que se viam obrigados a emigrar para as cidades onde constituíam mão de obra barata para as indústrias recém-criadas:  matavam-se dois coelhos de uma só cajadada.

Mais ou menos pela mesma época, a exploração colonial também funcionou com idêntico objetivo, o mesmo acontecendo nos nossos dias com neocolonialismo e com guerras predatórias que, invocando a necessidade de libertar povos, servem ao mesmo propósito.

Como caso de acumulação capitalista dos nossos dias, o exemplo da guerra do Iraque é paradigmático; mostra como um pais  – Estados Unidos - com um poder muito desigual, provoca uma guerra para se apropriar das riquezas de outro pais (chama-se a isto acumulação capitalista, neste caso acumulação para os capitalistas dos estados unidos, mas também do próprio Iraque e obviamente para outros ‘players’, nome bonito hoje muito em voga.

A guerra do Iraque consistiu na invasão do Iraque – um pais independente e soberano - e na deposição do regime iraquiano liderado então por Sadam Hussein, substituído de seguida por um regime de contornos neoliberais (2003).

Essa invasão foi desencadeada no contexto do que os Estados Unidos apelidaram de ‘guerra ao terror’, na sequência do ataque as torres gémeas de nova York em 2001, sob o pretexto de que o Iraque possuía armas de destruição maciça. Essa acusação nunca foi provada.

A comunidade internacional – leia-se países gravitando na órbita dos estados unidos - não alinhou inteiramente como se pretendia, mas mesmo assim a invasão foi posta em marcha e mais tarde, quando se provou que as ditas armas não existiam, foi justificada como guerra preventiva sob o pretexto de que iria servir para exportar a democracia para um pais com um governo tirânico e autocrático e libertar o povo iraquiano.

Afinal o argumento era maquiavelismo puro e duro - os fins justificam os meios -, com a agravante neste caso de que os fins invocados nem sequer correspondiam aos objetivos reais que se pretendia atingir com a referida guerra.

Quando estes factos históricos ocorreram, salvo algumas vozes incómodas e pouco difundidas, todos se calaram, lembremos a célebre reunião na base americana sediada na Lajes, território português, (Cimeira das Lajes: Tony Blair, Bush filho, e Aznar  que teve como anfitrião o inefável Durão Barroso ) Então ninguém foi capaz de dizer que se estava perante uma justificação maquiavélica; ninguém foi capaz de dizer que tal justificação escondia motivações completamente diferentes que não interessava fossem reconhecidas.

As medidas adotadas logo a seguir à invasão e ao triunfo norte americano não deixam dúvidas, só que os grande media as ocultaram e não divulgaram e as pessoas não puseram em causa a explicação. Lembremos que também o colonialismo da época moderna fora justificado com o argumento de se estar a expandir a fé cristã e a civilização ocidental a povos primitivos que não sabiam tomar boa conta de si mesmos. E então em nome da fé e da civilização, as potencias ocidentais da época mataram, escravizaram e roubaram – pura gatunagem e malvadez.

De facto, no Iraque, uma vez triunfante a invasão, foi constituída uma ‘autoridade provisória da coalizão’ (2003)   - uma espécie de governo provisório – que decretou as seguintes medidas:

·        Completa privatização das empresas públicas; (compradas por particulares a preço de saldo, sendo o povo delas espoliado)

·        Direitos de propriedade irrestritos para as firmas estrangeiras no Iraque (apropriação irrestrita por estrangeiros dos recursos do pais);

·        Completa repatriação de lucros obtidos por essas empresas (nada de investir no país os lucros nele obtidos);

·        Abertura dos bancos iraquianos a controlo estrangeiro (favorecimento da finança internacional);

·        Eliminação de barreiras comerciais (favorecimento do livre comércio para os mesmos do costume).

Estas medidas são bem elucidativas dos objetivos que presidiram à invasão; não têm nada a ver com democracia e têm tudo a ver com saque e pilhagem; nada de novo sob a roda do sol, exceto que agora a pírula é dourada com doses descomunais de hipocrisia.

Retomando a tese aqui defendida sobre a natureza instrumental das guerras, quando os Estados Unidos invadem o Iraque e impõem medidas como estas o que estão a fazer é a criar condições para que se dê a acumulação capitalista tanto por parte de nacionais como de capitalistas estrangeiros, é esta uma forma de continuar com o fenómeno da chamada acumulação primitiva, ou seja continuar a engrossar o bolo, passando o que era do povo para as mãos de privados, tudo em nome da justiça e da eficiência, com o beneplácito do direito (do mais forte).  Como efeitos secundários vem a destruição do pais, instabilidade, aumento do terrorismo e centenas de milhares de mortes. 

terça-feira, 7 de março de 2023

 

Neoliberalismo – suas raízes, fundamento e estratégia

O neoliberalismo é uma teoria de economia política que defende três princípios fundamentais: a livre iniciativa individual com base na existência de direitos de propriedade privada fortes; a existência de mercados livres; a não intervenção do Estado por meio de quaisquer regulamentações que freiem esses direitos e liberdades, considerando pelo contrário que lhe compete assegurá-las, ativamente, se necessário.

Dado a construção do estado liberal - processo em curso lá pelos fins do século XVII no Ocidente - ter sido liderada pela burguesia, não surpreende a ênfase no individualismo e na consagração do direito de propriedade nem tão pouco a preocupação na defesa de uma economia centrada no mercado, livre de impedimentos que o controlem, e numa intervenção do Estado apenas aceite se servir os seus interesses. Portanto, parece legítimo concluir-se que aquilo que hoje designamos de neoliberalismo já estava no bojo do liberalismo clássico e que o projeto, em parte interrompido temporariamente por circunstâncias muito especiais, seria retomado, como foi, tão logo estas desaparecessem.

Assim, no plano politico, o neoliberalismo defende que os direitos do individuo sejam garantidos pelo Estado, sendo de entre estes o direito de propriedade privada uma espécie de direito sacrossanto. No plano económico vai ainda mais longe que o liberalismo clássico e ‘exige’ que o Estado tome medidas para criar mercados livres em áreas em que eventualmente estes ainda não operem, caso por exemplo, da energia, da saúde, da educação, da segurança social e outros, entregando afinal a privados a gestão da ‘coisa pública’, e não ‘atrapalhando’ de modo algum a iniciativa privada, hoje rebatizada frequentemente de ‘empreendedorismo’.

O fundamento/justificação para a defesa da maior privatização possível da economia e da intervenção mínima, mas devidamente direcionada, do Estado, reside na convicção de que tal será mais benéfico para todos com o argumento de que o contrário, isto é, a planificação estatal está mais sujeita a erros e a distorções, sob a alegação de que o Estado não possui elementos suficientes para fazer previsões corretas e propende por esse motivo a cometer erros grosseiros, ao passo que o mercado, por principio que lhe é inerente, tenderia a autorregular-se de acordo com a lei da oferta e da procura e a cometer erros menores e reversíveis – por obra da tal ‘mão invisível’ de que já Adam Smith falava.

A estratégia adotada para fazer vingar a sua posição visou transformar a ideologia que lhe preside em senso comum, conseguindo que a generalidade das pessoas incorpore os valores e os princípios que defende. O neoliberalismo percebeu que vence quem convence!  E nós fazíamos bem em começar a ficar espertos.

  O que é a democracia liberal? – uma resposta breve Se quiséssemos sintetizar numa expressão breve o que é a democracia liberal poderíamo...