Os pés de
barro do liberalismo
O liberalismo
é uma teoria política que podemos designar de idealista porque ignora a base
material - nela incluídos os circunstancialismos históricos - que se encontram
a montante das ideias e das formações políticas. Citemos alguns casos que
confirmam esta asserção; por exemplo, o liberalismo:
· Ignora que o princípio da ‘soberania popular’ só foi defendido pela revolução burguesa porque no momento histórico em que se vivia – finais da época moderna - era preciso incluir o povo no processo emancipatório relativamente ao poder monárquico absoluto, para que o movimento ganhasse expressão e saísse vitorioso. Mas logo de seguida torneou a questão e restringiu o direito de voto apenas aos proprietários. É certo que, posteriormente, a duras penas, o direito de voto foi alargado, mas as opções propostas passaram a ser entre a e b sendo a e b ‘farinha do mesmo saco’. Portanto, poderia legitimamente perguntar-se: como é que pode haver soberania popular se o povo sequer tem representação política ou se não existem reais opções?
· Desconsidera que o princípio da ‘divisão tripartida do poder’ só foi defendido porque interessava tirar aos monarcas e aos seus acólitos aristocratas a concentração do poder; de seguida, que este se voltasse a concentrar nas mãos, agora, da burguesia, mas não do povo, era problema menor. Mas pode legitimamente colocar-se em questão que uma independência formal entre os poderes signifique independência real.
· Omite que defende as ‘liberdades individuais’ porque percebe que não há qualquer perigo de que estas venham a pôr em risco os interesses dos indivíduos das classes privilegiadas porque são estes que têm condições materiais para delas usufruírem, Para os outros – a vasta maioria - serão liberdades formais de escasso ou mesmo nulo alcance. Todavia pode questionar-se o valor das liberdades individuais quando estas de facto são apenas para alguns.
·
Não admite que se recusa a aceitar a existência
de classes sociais e só reconhece existência aos indivíduos isolados porque à elite interessa a atomização social que lhe é profundamente favorável: indivíduos
isolados, competidores e indiferentes à sorte alheia não têm poder
reivindicativo, não vão ser exigentes, não vão colocar em risco o sistema. Cumpre
então perguntar, a quem afinal convém uma conceção individualista de sociedade?
·
Não quer perceber que, enquanto teoria política,
se encontra vocacionado para a defesa dos interesses não de todos os
indivíduos, que define formalmente como iguais e livres, mas tão simplesmente
de uma classe social, no caso, a burguesia. É de indagar com que legitimidade se
arroga o direito de se auto proclamar ’democrática’.
Os princípios acima referidos: ‘soberania popular’; ‘divisão tripartida
dos poderes’; ‘individualismo’; ‘liberdades individuais’; ‘democracia’, são princípios
fundamentais defendidos pelo liberalismo. Se se prova que estes princípios, tal
como o liberalismo os apresenta, não resistem a uma análise crítica reveladora do
viés que os coloca a serviço da elite dominante, que resta do liberalismo? O que é que o distingue dos regimes totalitários
que pretende execrar?
De resto já começamos a ver, em países liberais e civilizados, as
ameaças de novos fascismos adaptados aos novos tempos e já começamos a ver
partidos liberais a não rejeitarem a ideia de fazer alianças de governo com
partidos de extrema direita. Isto permite prever que as elites, se virem
ameaçados os seus interesses, não hesitarão em colaborar, embora a contragosto,
com partidos de vocação totalitária: vão-se os anéis, mas fiquem os dedos.
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