Afinidades
substantivas entre fascismo e capitalismo
É meu objetivo confirmar
de forma consistente a tese, que já enunciei antes, de que a ameaça fascista é
real porque as afinidades entre capitalismo e fascismo são mais relevantes do
que as suas diferenças.
Para atingir este objetivo, realço, por um
lado, as ideias dominantes destas duas ideologias e, por outro, refiro as
ambiguidades e conivências que o processo histórico recente, particularmente o
da segunda guerra mundial e do pós-guerra, evidencia.
Quanto ao primeiro ponto – afinidades de fundo entre capitalismo e
fascismo – nunca é demais chamar a atenção para o facto de que na base tanto do
capitalismo quanto do fascismo se encontra a defesa intransigente da
propriedade privada, particularmente da propriedade privada dos meios de
produção, que configura um modelo económico que se opõe ao modelo
socialista/comunista, o qual propõe limitações ao direito de propriedade privada
e a estatização ou pelo menos o controlo do Estado sobre os mais básicos e
importantes meios de produção.
Assim, bem vistas as coisas, a ordem económico e social defendida pelo
fascismo não é no essencial diferente da ordem económico e social defendida
pelo capitalismo e pelas democracias liberais. Em ambos os casos o inimigo público
número um é o comunismo, tornado presente e fazendo-se lembrar através das
reivindicações dos setores trabalhistas, que pretendem conter, podendo
haver divergência na estratégia a utilizar.
Neste contexto
tem plausibilidade a perceção de que o desentendimento na segunda guerra
mundial entre estados nazi fascistas e outros estados capitalistas só ocorreu, só
levou às vias de facto, dado o apetite voraz dos primeiros por zonas de domínio
e influência que, se apropriadas, os tornariam rivais indesejavelmente muito
poderosos; a partir daí, claro, houve necessidades de os transformar em símbolos
do mal que era preciso extirpar, mesmo assim, sem grandes pressas e com muitas
conivências à mistura.
Um outro facto
histórico que podemos invocar para corroborar a tese de que entre capitalismo e
fascismo há maiores afinidades do que divergências é o exemplo de que o partido
fascista italiano, criado e liderado por Mussolini em 1921 foi subsidiado por
capitalistas, ‘capitães da Indústria, e por grandes latifundiários e Mussolini
foi alçado a primeiro ministro pela mão do então rei de Itália, Vitor Emanuel
III – os factos falam por si, será preciso dizer mais?!
Alem disso, quem
quer que faça uma análise minimamente imparcial dos relatos históricos
relativos à segunda guerra mundial - e atenção não é esse o caso da maior parte
dos filmes produzidos em Hollywood - tem de reconhecer que a grande obreira da
vitória sobre o fascismo e o nazismo foi a União Soviética, não a Europa que
passou boa parte dos anos da guerra submetida á Alemanha, perante a qual
capitulou com demasiada facilidade, para não suscitar dúvidas sobre alguma, se
não muita, complacência dos seus dirigentes; nem sequer foram os Estados Unidos
que só entraram no conflito em fins de 1941, após o ataque japonês a Pearl
Harbour (dezembro de 41) e só apoiaram o esforço de guerra na Europa a partir
de Julho de 43, as datas falam por si para percebermos que, embora importante, só vieram dar uma ajuda, depois da União Soviética
ter feito a maior parte do trabalho, sofrendo pesadíssimas perdas em vidas e em
recursos, incomparavelmente maiores que a dos outros países aliados.
Em relaçao à
segunda guerra mundial, tudo aponta no sentido de que os países ocidentais
teriam tolerado a expansão nazi alemã desde que esta se tivesse focado única e
exclusivamente nos países do leste europeu, incluindo obviamente a União Soviética,
pois seria um serviço não negligenciável que esta lhes prestaria.
De modo que a
segunda guerra mundial, tal como a primeira, também revestiu a forma de um
conflito entre dois blocos capitalistas, dos quais um deles - os chamados
países do eixo - pretendia uma divisão mais equitativa do ’espaço vital’ e dos
recursos, sendo a união soviética apanhada no meio do furacão e tendo de se
aliar a um dos blocos, por uma questão de sobrevivência, para evitar a sua pura
e simples destruição. Claro que, assinada a paz, começou a guerra fria … com os
desenvolvimentos que se conhecem.
Curiosamente, porventura para disfarçar, o capitalismo e os capitalistas
defendem uma perspetiva diferente e até antagónica, isto é, tentam mostrar
afinidades entre fascismo e comunismo, insistindo não nas divergências radicais
no plano económico e político, que são bem substantivas, mas mais propriamente
em semelhanças no modus faciendi: autocracia e totalitarismo, esquecendo
oportunamente que este – o modus faciendi - é mais conjuntural do que
estrutural.
Para provar este
ponto, lembro que, por exemplo, a adoção de medidas inibidoras das liberdades
individuais por um determinado Estado - um dos aludidos sintomas de
totalitarismo - pode ser motivada pelo contexto histórico, pela necessidade
imperiosa de resistir a um Estado hostil muito mais poderoso; vide o caso de
Cuba e do cerco que os Estados Unidos para ela representaram; no mesmo
diapasão, o da Venezuela; ou ainda o caso da própria China e como, não tivesse
havido essa precaução, teria sido fácil ao imperialismo norte americano abalá-los,
criar instabilidade interna, provocar cisões e cizânias e anulá-los, inclusive enquanto estados
soberanos e independentes, transformando-os em seus vassalos. Dividir para
reinar é obviamente tarefa que está simplificada se a unidade for fraca, e o
individualismo e as tão prezadas liberdades individuais têm esse aspeto
curioso, são um luxo, muitas vezes mais aparente do que real, a que muitos
mesmo assim não se podem dar porque os fragiliza e os torna presa fácil para
aqueles que os querem dominar e transformar em marionetes ao seu dispor.