A assim chamada ‘acumulação
primitiva’
O
que foi a acumulação primitiva? Com
que metodologia foi conseguida? Que
objetivos visava? De
que consequências se revestiu? |
O processo de acumulação primitiva, indispensável à implantação do modo
de produção capitalista, ocorreu na Inglaterra da época moderna e foi um
processo de expropriação; para conhecermos o tipo de bens que dele foram objeto
basta ler Marx que faz um relato acurado:
“O roubo dos bens da Igreja, a fraudulenta alienação dos
domínios do Estado, o furto da propriedade comunal, a transformação usurpadora
e executada com terrorismo inescrupuloso da propriedade feudal e clânica em
propriedade privada moderna, foram outros tantos métodos idílicos da acumulação
primitiva. Eles conquistaram o campo para a agricultura capitalista,
incorporaram a base fundiária ao capital e criaram para a indústria urbana a
oferta necessária de um proletariado livre como os pássaros.”[1]
No contexto do capitalismo, de acordo com a terminologia
sugestiva de Marx, o roubo, a alienação fraudulenta, o furto, a transformação
usurpadora e o terrorismo inescrupuloso foram os procedimentos utilizados,
eventualmente revestidos de aparências menos brutais, dependendo dos casos e
das circunstâncias específicas, mas de qualquer modo muito distantes de
quaisquer nobres pergaminhos que se pretenda reivindicar.
Para além da identificação a que procede, Marx lembra ainda
que essas expropriações de terras tiveram como consequência o “despejo”
daqueles que durante gerações nelas tinham vivido, que uma vez despejados se
viram obrigados a emigrar para os centros urbanos constituindo desse modo uma
mão de obra abundante e enquanto tal barata - o tal proletariado – que não
tinha onde dormir nem o que comer, mas que era finalmente ‘livre como os
pássaros …’
Numa palavra, a acumulação primitiva foi uma autêntica privataria[2].
De entre os objetos dessa privataria cabe uma referência específica à
propriedade comunal, alvo de legislação aprovada no parlamento britânico, que
Marx refere ironicamente como um progresso, já que tornava legal o roubo e a fraude,
isto é, legitimava esses atos:
“O progresso do século XVIII consiste em a própria lei se
tornar agora veículo do roubo das terras do povo, embora os grandes
arrendatários empreguem paralelamente também seus pequenos e independentes
métodos privados. A forma parlamentar do roubo é a das Bills for Inclosures
of Commons (Leis para o cercamento da terra comunal), em outras palavras,
decretos pelos quais os senhores fundiários fazem
presente a si mesmos da terra do povo, como propriedade privada...” [3]
Claro que o Parlamento que votou as leis dos cercamentos só
tinha como membros proprietários e estes só eram eleitos por proprietários dado
que o direito de voto era basicamente censitário, daí que por intermedio dessas
leis “os senhores fundiários fazem presente a si mesmos da terra do povo” ;
aqui mais uma vez podemos ver como a democracia liberal, malgrado as suas promessas,
funcionava para proteger interesses que nada tinham de democráticos.
De qualquer modo, o homem comum não cogitaria sequer reclamar até porque afinal o parlamento tinha
representantes eleitos; ora os camponeses não eram proprietários o que tinham
era nas suas aldeias e vilas, os seus cottages, vulgo cabanas, alguma escassa terra
a que naturalmente recorriam para cultivo
de bens de subsistência, e, sobretudo, o acesso a terras comunais que
podiam utilizar para pastagens, lenha para aquecimento e madeira para
construção, e ainda caçarem pequenos animais para a sua alimentação.
Com as leis dos cercamentos essas terras ou melhor o acesso foi-lhes
vedado e uma vez cercadas transitaram para os seus novos proprietários a quem
eram entregues, ou como coutadas de caça ou com outros propósitos. Estima-se
que com este processo dos cercamentos um quinto das terras da Grã-Bretanha
passou para as mãos de privados com a exceção do que era reservado para a
construção de ferrovias ou de outras infraestruturas.
Neste
contexto, os camponeses, gozando da liberdade que a ideologia liberal
generosamente lhes reconhecia em teoria - sem atender a que só há liberdade
quando se superou a necessidade – viram-se compelidos/coagidos pela dita necessidade a emigrar para as
cidades em busca de um trabalho que lhes permitisse subsistir, trabalho esse
que tinham mesmo de aceitar, fosse qual fosse o valor oferecido pelo patrão,
pois de outra maneira, sem ocupação, seriam considerados vadios e lugar bom
para vadio é como já sabemos na prisão, na época o ferrete com ferro em brasa e em caso de reincidência
a morte. A legislação sobre pobres e vadios e a sua criminalização foi célere
em aparecer.
Muito
sucintamente pode dizer-se que assim se construiu a base do modo de produção
capitalista!
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