segunda-feira, 24 de julho de 2023

 

Afinidades substantivas entre fascismo e capitalismo

É meu objetivo confirmar de forma consistente a tese, que já enunciei antes, de que a ameaça fascista é real porque as afinidades entre capitalismo e fascismo são mais relevantes do que as suas diferenças.

 Para atingir este objetivo, realço, por um lado, as ideias dominantes destas duas ideologias e, por outro, refiro as ambiguidades e conivências que o processo histórico recente, particularmente o da segunda guerra mundial e do pós-guerra, evidencia.

Quanto ao primeiro ponto – afinidades de fundo entre capitalismo e fascismo – nunca é demais chamar a atenção para o facto de que na base tanto do capitalismo quanto do fascismo se encontra a defesa intransigente da propriedade privada, particularmente da propriedade privada dos meios de produção, que configura um modelo económico que se opõe ao modelo socialista/comunista, o qual propõe limitações ao direito de propriedade privada e a estatização ou pelo menos o controlo do Estado sobre os mais básicos e importantes meios de produção.

Assim, bem vistas as coisas, a ordem económico e social defendida pelo fascismo não é no essencial diferente da ordem económico e social defendida pelo capitalismo e pelas democracias liberais. Em ambos os casos o inimigo público número um é o comunismo, tornado presente e fazendo-se lembrar através das reivindicações dos setores trabalhistas, que pretendem conter, podendo haver divergência na estratégia a utilizar.

Neste contexto tem plausibilidade a perceção de que o desentendimento na segunda guerra mundial entre estados nazi fascistas e outros estados capitalistas só ocorreu, só levou às vias de facto, dado o apetite voraz dos primeiros por zonas de domínio e influência que, se apropriadas, os tornariam rivais indesejavelmente muito poderosos; a partir daí, claro, houve necessidades de os transformar em símbolos do mal que era preciso extirpar, mesmo assim, sem grandes pressas e com muitas conivências à mistura.

Um outro facto histórico que podemos invocar para corroborar a tese de que entre capitalismo e fascismo há maiores afinidades do que divergências é o exemplo de que o partido fascista italiano, criado e liderado por Mussolini em 1921 foi subsidiado por capitalistas, ‘capitães da Indústria, e por grandes latifundiários e Mussolini foi alçado a primeiro ministro pela mão do então rei de Itália, Vitor Emanuel III – os factos falam por si, será preciso dizer mais?!

Alem disso, quem quer que faça uma análise minimamente imparcial dos relatos históricos relativos à segunda guerra mundial - e atenção não é esse o caso da maior parte dos filmes produzidos em Hollywood - tem de reconhecer que a grande obreira da vitória sobre o fascismo e o nazismo foi a União Soviética, não a Europa que passou boa parte dos anos da guerra submetida á Alemanha, perante a qual capitulou com demasiada facilidade, para não suscitar dúvidas sobre alguma, se não muita, complacência dos seus dirigentes; nem sequer foram os Estados Unidos que só entraram no conflito em fins de 1941, após o ataque japonês a Pearl Harbour (dezembro de 41) e só apoiaram o esforço de guerra na Europa a partir de Julho de 43, as datas falam por si para percebermos que, embora importante,  só vieram dar uma ajuda, depois da União Soviética ter feito a maior parte do trabalho, sofrendo pesadíssimas perdas em vidas e em recursos, incomparavelmente maiores que a dos outros países aliados.

Em relaçao à segunda guerra mundial, tudo aponta no sentido de que os países ocidentais teriam tolerado a expansão nazi alemã desde que esta se tivesse focado única e exclusivamente nos países do leste europeu, incluindo obviamente a União Soviética, pois seria um serviço não negligenciável que esta lhes prestaria.

De modo que a segunda guerra mundial, tal como a primeira, também revestiu a forma de um conflito entre dois blocos capitalistas, dos quais um deles - os chamados países do eixo - pretendia uma divisão mais equitativa do ’espaço vital’ e dos recursos, sendo a união soviética apanhada no meio do furacão e tendo de se aliar a um dos blocos, por uma questão de sobrevivência, para evitar a sua pura e simples destruição. Claro que, assinada a paz, começou a guerra fria … com os desenvolvimentos que se conhecem.

Curiosamente, porventura para disfarçar, o capitalismo e os capitalistas defendem uma perspetiva diferente e até antagónica, isto é, tentam mostrar afinidades entre fascismo e comunismo, insistindo não nas divergências radicais no plano económico e político, que são bem substantivas, mas mais propriamente em semelhanças no modus faciendi: autocracia e totalitarismo, esquecendo oportunamente que este – o modus faciendi - é mais conjuntural do que estrutural.

Para provar este ponto, lembro que, por exemplo, a adoção de medidas inibidoras das liberdades individuais por um determinado Estado - um dos aludidos sintomas de totalitarismo - pode ser motivada pelo contexto histórico, pela necessidade imperiosa de resistir a um Estado hostil muito mais poderoso; vide o caso de Cuba e do cerco que os Estados Unidos para ela representaram; no mesmo diapasão, o da Venezuela; ou ainda o caso da própria China e como, não tivesse havido essa precaução, teria sido fácil  ao imperialismo norte americano abalá-los, criar instabilidade interna, provocar cisões e cizânias  e anulá-los, inclusive enquanto estados soberanos e independentes, transformando-os em seus vassalos. Dividir para reinar é obviamente tarefa que está simplificada se a unidade for fraca, e o individualismo e as tão prezadas liberdades individuais têm esse aspeto curioso, são um luxo, muitas vezes mais aparente do que real, a que muitos mesmo assim não se podem dar porque os fragiliza e os torna presa fácil para aqueles que os querem dominar e transformar em marionetes ao seu dispor.

3 comentários:

  1. Sobre a segunda guerra mundial e sobre a expansão para leste dos nazis de Hitler, convém referir que o Reino Unido, primeiro, e a França, poucas horas depois, declararam guerra à Alemanha no preciso momento em que os nazis invadem a Polónia. Quero com isto dizer que, apesar de tudo, as ditas "democracias" ocidentais não toleraram o avanço para leste que Hitler pretendia. Facto curioso, a elite nazi ficou totalmente abalada com essa declaração de guerra do Reino Unido, em jeito de ultimatum: "ou páram imediatamente, ou haverá a guerra". Há um episódio célebre em que Hitler se vira para o seu ministro dos estrangeiros, Von Ribbentrop e pergunta: E agora? Ao que Ribbentrop respondeu: agora, a França vai dizer o mesmo. Quanto ao resto, repare-se que os EUA tiveram cerca de 600 mil mortos e a URSS cerca de 20 milhões. Claro que Ford, o construtor de automóveis americano e muitos outros, haviam contribuído para o rearmamento alemão. Os industriais alemães idem. Recomendo a consulta de um livro de Fritz Thyssen (cujo apelido é ainda hoje visível em inúmeros elevadores, é uma grande empresa), intitulado "Eu paguei a Hitler".

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    1. Começo por agrdecer o texto proposto, todaviia, dada a complexidade do assunto em análuse e a minha impreparação para opinar, atrevo-me spenas a concordar com o comentário feito por Lúcio Ferro que, por um lado discorda que o Ocidente tolerasse a expansão do Nazismo para Leste, aduzindo os respetivos argumentos e também sobre a própra responsabilidade que a Ford teve no que respeita ao aumento do armamento da Alemanha! Enfim, incongruências que sempre continuam a verificar-se nas lutas geo estratégicas alimentadas pela ambição do poder.

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  2. Obriga pelo comentário que complementa e enriquece o txto inicial.

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