domingo, 2 de julho de 2023

 

Algumas reflexões sobre o populismo (de direita)

Os líderes populistas pertencem, como podemos facilmente constatar, a extratos privilegiados da sociedade. Lembremos Trump, multimilionário, mas também Boris Johnson ou até mesmo Jair Bolsonaro, no mínimo pertencentes à designada classe média/alta.

É assim algo paradoxal que estes líderes encontrem forte apoio nas classes populares mais vulneráveis e nos extratos da pequena burguesia, os quais teriam todos os motivos para neles não confiarem. Mas o facto é que conseguem convencê-los de que as suas atribulações e os seus inimigos são as classes populares de outos países, de outra raça, de outra etnia, de outra religião; para o efeito mobilizam sentimentos xenófobos, racista ou até mesmo sexistas, sempre prontos a aflorarem e a criarem uma qualquer forma de unanimismo e de identidade.

Isto acontece é certo porque, entretanto, o neoliberalismo teve o cuidado de destruir os núcleos organizados ligados à esquerda, que poderiam oferecer um contraponto a essa influência, como foi o caso do movimento sindical e dos empreendimentos cooperativos. Conta ainda com uma comunicação social nas mãos das elites dominantes que molda a opinião pública a seu bel prazer.

Neste contexto, as lideranças populistas conseguem mistificar as pessoas, levando-as a desvalorizar, ou mesmo a esquecer, as desigualdades económicas, que são de facto o que as marginaliza, para se centrarem nas desigualdades raciais, religiosas e culturais que, para o caso, são diferenças acessórias. Criam assim bodes expiatórios aos quais as pessoas passam a atribuir tudo o que de mau lhes acontece, que não mais é imputado ao sistema económico iníquo em que vivem. Claro que aos líderes não interessa que esse sistema seja posto em questão até porque beneficiam dele diretamente.

Em paralelo, continuando com a mistificação, lançam também as culpas à democracia que, alegam, não denota pulso forte ao permitir que essas outras classes populares se instalem no país e usufruam de benefícios que deviam ser reservados aos nacionais.

Este descrédito que lançam sobre a democracia é necessário, pois, uma vez descredibilizada, podem defender a autocracia como meio de retornar à ordem natural das coisas e de resolver os problemas.

Em síntese, o populismo (de direita) aproveita o vazio provocado pela demissão da esquerda para arregimentar os extratos populares que se tornam coniventes com uma agenda política que lhes é profundamente prejudicial. Em simultâneo destrói a democracia e instaura a autocracia e pelo caminho restaura os valores culturais que a favorecem: a religião, que tinha sido relegada pelo liberalismo para a esfera privada, volta a assumir um papel central; a família patriarcal, com os ‘meninos de azul’ e as ‘meninas de rosa’, retorna sub-repticiamente ao palco; e o nacionalismo, muito necessário para justificar guerras e conflitos que o sistema exija, volta a estar na ordem do dia.

Resumindo, o que o populismo pretende é o regresso ao passado que julgávamos já definitivamente superado. Pode acontecer que o consiga, pelo menos provisoriamente, e que nos estejam reservados maus bocados!  

2 comentários:

  1. anaisabelfale@gmail.com2 de julho de 2023 às 14:18

    Receio que sim, que nos estejam reservados maus bocados, até acho que já os estamos a viver, porque nas malhas do populismo andam também as tranças que a Europa faz para nos empobrecer. Para além da Europa ainda temos a conjuntura mundial do capitalismo armado e bem armado! Engraçado como podemos tão pouco, contra tanto abuso. Nem nas ruas, nem nas estruturas sindicais, não há luta que possamos vencer contra estas tendências? Ou será que temos de inventar um novo paradigma de resistência? Acho que o populismo é uma plataforma para o controlo social. Quem controla isto tudo?

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  2. Clarividência, precisa-se. Andamos todos muito distraídos.

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