Comunicação social e desinformação
No Ocidente,
pelo menos na maior parte dos países, ainda vivemos em democracias, as chamadas
democracias liberais, que alguns designam de ‘democracias de baixa intensidade’,
porque reduzidas à possibilidade de participação do eleitorado em votações de x
em x anos; nestas democracias a função reguladora/repressora é exercida pela comunicação
social e pela desinformação que esta promove.
Precisamente, Raúl Zibechi, jornalista e analista político
uruguaio, defende que uma democracia deste tipo, que conta com a
desinformação sistemática das pessoas, fornecendo-lhes apenas a versão dos
acontecimentos que favorece e interessa às elites no poder, é mais eficiente do que os regimes ditatoriais, os
quais só serão percebidos como solução
quando o sistema democrático liberal deixar de funcionar.
Nestas
democracias, os indivíduos desinformados constituem a maioria da população e é
de esperar que votem aquilo que as elites no poder pretendem que votem, com a
vantagem acrescida de se alegar que as decisões políticas são democráticas
porque os decisores foram maioritariamente sufragados. Poderíamos substituir o
termo ‘desinformação’ por condicionamento: se sistematicamente nos dizem, nos
mostram, das mais diversas maneiras, que a é bom e b é mau,
é natural a nossa preferência por a, o contrário é que seria de
espantar.
Portanto o segredo do controlo de uma sociedade está
no domínio da comunicação social; se esta for monopólio de elites
economicamente poderosas, em princípio não vai ser requerido um aparato
policial desmesurado nem vai ser preciso insistir em proibições ou manter a
ameaça do recurso a uma força discricionária, porque será possível controlar
por ´meios pacíficos' a população. A transição, se vier a verificar-se, para uma
qualquer forma de ditadura será camuflada e esta provavelmente também será de
baixa intensidade.
Isto acontece porque a desinformação tem-se revelado um
meio de controlo político extremamente eficiente, melhor que a polícia política
e a preferir-se sempre que for possível e enquanto continuar a ser possível;
permite manter a farsa democrática: os governos são eleitos, os representantes
são escolhidos, não há coação, não há imposição, há escolha da maioria. Esconde-se,
todavia, que a maioria, por um lado, não percebe o que está a acontecer (quando
percebe não vai votar, fica em casa), por outro, não lhe são dadas
alternativas, pode escolher este ou aquele partido mas entre eles não há diferenças significativas, é só uma manobra de diversão.
Assim, o ideal é haver um número significativo de
pessoas desinformadas o que não é difícil porque informar-se requer muito
trabalho, ao passo que a desinformação é dada de mão beijada. Alguns que
percebem o ludíbrio tendem a desistir porque intuem que nada podem fazer
perante uma máquina tao bem lubrificada ou tendem a apoiar posições mais
radicais, nomeadamente de extrema direita, ainda na falsa convicção de que
finalmente esta poderá fazer a diferença.
O jornalista Raul Zibechi no seu artigo democracia e
manipulação da opinião publica cita
alguns exemplos de desinformação bem-sucedidos que resultam da utilização de determinadas
estratégias informativas; uma das mais utilizadas consiste em repetir uma
determinada informação, que pode ou não corresponder à verdade dos factos, e
omitir outras eventualmente com maior credibilidade, mas que não interessa que
sejam divulgadas; deste modo acontecimentos importantes são abandonados pelos
noticiários enquanto outros são constantemente repetidos. Outra manobra de
desinformação consiste em ignorar o contexto em que os acontecimentos ocorrem e
a sua historicidade e adulterar completamente a informação. Resumindo, há muitas
maneiras de cozinhar as notícias de modo a criar desinformação e a comunicação
social main stream não perde a oportunidade de o fazer, se tal for conveniente
e se poder faze-lo. Deste modo, refere R. Zireki:
“Como destaca uma cobertura recente
de El Salto: “os melhores conteúdos jornalísticos podem não ter qualquer
consequência”, porque o poder e os meios de comunicação a seu serviço os
ignoram.” *
Hoje, percebido o poder da comunicação social, que é
mundialmente controlada, só se recorre ao golpe de estado quando por qualquer
motivo a coisa não está mesmo assim a resultar, ou porque é demasiado difícil
as populações engolirem tanta mentira e se rebelam e ocorre grande
instabilidade social e então entra o golpe e o fascismo de seguida.
O que se pode fazer perante esta tão cruel realidade?
Pode-se competir com o sistema? Não, mas pode-se tentar criar uma elite
intelectual que comece a perceber a marosca e que a denuncie. Pode lutar-se nos
interstícios: universidades, canais alternativos de comunicação, slogans criativos,
e as pessoas a certa altura vão cansar e vão começar a soar campainhas. Criar minorias informadas parece ser um
caminho difícil, mas possível; supostamente mais tarde ou mais cedo vão ter eco
na maioria, como já aconteceu no passado.
É preciso também passar a mensagem de que entrar no
jogo eleitoral é fazer o jogo das elites no poder porque como acrescenta R.
Zibechi:
“A partir do momento em que as opiniões e vontades das pessoas são moldadas e manipuladas por gigantescas maquinarias que escapam de qualquer controle que não seja o das classes dominantes, entrar no jogo eleitoral não tem futuro.”
Conseguir traduzir em slogans (gritos de guerra) ideias
complexas é uma estratégia possível e um desafio a que urge responder; a alternativa é baixar os braços e
deixar correr.
E quais são as alternativas? Gonçalo.
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