sexta-feira, 19 de maio de 2023

 Comunicação social e desinformação

No Ocidente, pelo menos na maior parte dos países, ainda vivemos em democracias, as chamadas democracias liberais, que alguns designam de ‘democracias de baixa intensidade’, porque reduzidas à possibilidade de participação do eleitorado em votações de x em x anos; nestas democracias a função reguladora/repressora é exercida pela comunicação social e pela desinformação que esta promove.

Precisamente, Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, defende que uma democracia deste tipo, que conta com a desinformação sistemática das pessoas, fornecendo-lhes apenas a versão dos acontecimentos que favorece e interessa às elites no poder, é  mais eficiente do que os regimes ditatoriais, os quais  só serão percebidos como solução quando o sistema democrático liberal deixar de funcionar.

Nestas democracias, os indivíduos desinformados constituem a maioria da população e é de esperar que votem aquilo que as elites no poder pretendem que votem, com a vantagem acrescida de se alegar que as decisões políticas são democráticas porque os decisores foram maioritariamente sufragados. Poderíamos substituir o termo ‘desinformação’ por condicionamento: se sistematicamente nos dizem, nos mostram, das mais diversas maneiras, que a é bom e b é mau, é natural a nossa preferência por a, o contrário é que seria de espantar. 

Portanto o segredo do controlo de uma sociedade está no domínio da comunicação social; se esta for monopólio de elites economicamente poderosas, em princípio não vai ser requerido um aparato policial desmesurado nem vai ser preciso insistir em proibições ou manter a ameaça do recurso a uma força discricionária, porque será possível controlar por ´meios pacíficos' a população. A transição, se vier a verificar-se, para uma qualquer forma de ditadura será camuflada e esta provavelmente também será de baixa intensidade.

Isto acontece porque a desinformação tem-se revelado um meio de controlo político extremamente eficiente, melhor que a polícia política e a preferir-se sempre que for possível e enquanto continuar a ser possível; permite manter a farsa democrática: os governos são eleitos, os representantes são escolhidos, não há coação, não há imposição, há escolha da maioria. Esconde-se, todavia, que a maioria, por um lado, não percebe o que está a acontecer (quando percebe não vai votar, fica em casa), por outro, não lhe são dadas alternativas, pode escolher este ou aquele partido  mas entre eles  não há diferenças significativas, é só uma manobra de diversão.

Assim, o ideal é haver um número significativo de pessoas desinformadas o que não é difícil porque informar-se requer muito trabalho, ao passo que a desinformação é dada de mão beijada. Alguns que percebem o ludíbrio tendem a desistir porque intuem que nada podem fazer perante uma máquina tao bem lubrificada ou tendem a apoiar posições mais radicais, nomeadamente de extrema direita, ainda na falsa convicção de que finalmente esta poderá fazer a diferença.

O jornalista Raul Zibechi no seu artigo democracia e manipulação da opinião publica  cita alguns exemplos de desinformação bem-sucedidos que resultam da utilização de determinadas estratégias informativas; uma das mais utilizadas consiste em repetir uma determinada informação, que pode ou não corresponder à verdade dos factos, e omitir outras eventualmente com maior credibilidade, mas que não interessa que sejam divulgadas; deste modo acontecimentos importantes são abandonados pelos noticiários enquanto outros são constantemente repetidos. Outra manobra de desinformação consiste em ignorar o contexto em que os acontecimentos ocorrem e a sua historicidade e adulterar completamente a informação. Resumindo, há muitas maneiras de cozinhar as notícias de modo a criar desinformação e a comunicação social main stream não perde a oportunidade de o fazer, se tal for conveniente e se poder faze-lo. Deste modo, refere R. Zireki:

“Como destaca uma cobertura recente de El Salto: “os melhores conteúdos jornalísticos podem não ter qualquer consequência”, porque o poder e os meios de comunicação a seu serviço os ignoram.” *

Hoje, percebido o poder da comunicação social, que é mundialmente controlada, só se recorre ao golpe de estado quando por qualquer motivo a coisa não está mesmo assim a resultar, ou porque é demasiado difícil as populações engolirem tanta mentira e se rebelam e ocorre grande instabilidade social e então entra o golpe e o fascismo de seguida.

O que se pode fazer perante esta tão cruel realidade? Pode-se competir com o sistema? Não, mas pode-se tentar criar uma elite intelectual que comece a perceber a marosca e que a denuncie. Pode lutar-se nos interstícios: universidades, canais alternativos de comunicação, slogans criativos, e as pessoas a certa altura vão cansar e vão começar a soar campainhas.  Criar minorias informadas parece ser um caminho difícil, mas possível; supostamente mais tarde ou mais cedo vão ter eco na maioria, como já aconteceu no passado.

É preciso também passar a mensagem de que entrar no jogo eleitoral é fazer o jogo das elites no poder porque como acrescenta R. Zibechi:

“A partir do momento em que as opiniões e vontades das pessoas são moldadas e manipuladas por gigantescas maquinarias que escapam de qualquer controle que não seja o das classes dominantes, entrar no jogo eleitoral não tem futuro.”

Conseguir traduzir em slogans (gritos de guerra) ideias complexas é uma estratégia possível e um desafio a que urge responder; a alternativa é baixar os braços e deixar correr.


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