quinta-feira, 9 de março de 2023

 

Capitalismo e acumulação de capital - a guerra como recurso instrumental

No contexto do capitalismo que nos governa - ou desgoverna - o que acontece é que as guerras funcionam como um mecanismo de acumulação de capital - o fenómeno da ‘acumulação primitiva’ - por vias diferentes das que inicialmente moveram os capitalistas da idade moderna (sobretudo nos séculos XVII e XVIII). Estes por meios ‘legais’, preparados pela esfera política, apropriaram-se de recursos e terras comunais cujo usufruto foi desse modo retirado aos camponeses que se viam obrigados a emigrar para as cidades onde constituíam mão de obra barata para as indústrias recém-criadas:  matavam-se dois coelhos de uma só cajadada.

Mais ou menos pela mesma época, a exploração colonial também funcionou com idêntico objetivo, o mesmo acontecendo nos nossos dias com neocolonialismo e com guerras predatórias que, invocando a necessidade de libertar povos, servem ao mesmo propósito.

Como caso de acumulação capitalista dos nossos dias, o exemplo da guerra do Iraque é paradigmático; mostra como um pais  – Estados Unidos - com um poder muito desigual, provoca uma guerra para se apropriar das riquezas de outro pais (chama-se a isto acumulação capitalista, neste caso acumulação para os capitalistas dos estados unidos, mas também do próprio Iraque e obviamente para outros ‘players’, nome bonito hoje muito em voga.

A guerra do Iraque consistiu na invasão do Iraque – um pais independente e soberano - e na deposição do regime iraquiano liderado então por Sadam Hussein, substituído de seguida por um regime de contornos neoliberais (2003).

Essa invasão foi desencadeada no contexto do que os Estados Unidos apelidaram de ‘guerra ao terror’, na sequência do ataque as torres gémeas de nova York em 2001, sob o pretexto de que o Iraque possuía armas de destruição maciça. Essa acusação nunca foi provada.

A comunidade internacional – leia-se países gravitando na órbita dos estados unidos - não alinhou inteiramente como se pretendia, mas mesmo assim a invasão foi posta em marcha e mais tarde, quando se provou que as ditas armas não existiam, foi justificada como guerra preventiva sob o pretexto de que iria servir para exportar a democracia para um pais com um governo tirânico e autocrático e libertar o povo iraquiano.

Afinal o argumento era maquiavelismo puro e duro - os fins justificam os meios -, com a agravante neste caso de que os fins invocados nem sequer correspondiam aos objetivos reais que se pretendia atingir com a referida guerra.

Quando estes factos históricos ocorreram, salvo algumas vozes incómodas e pouco difundidas, todos se calaram, lembremos a célebre reunião na base americana sediada na Lajes, território português, (Cimeira das Lajes: Tony Blair, Bush filho, e Aznar  que teve como anfitrião o inefável Durão Barroso ) Então ninguém foi capaz de dizer que se estava perante uma justificação maquiavélica; ninguém foi capaz de dizer que tal justificação escondia motivações completamente diferentes que não interessava fossem reconhecidas.

As medidas adotadas logo a seguir à invasão e ao triunfo norte americano não deixam dúvidas, só que os grande media as ocultaram e não divulgaram e as pessoas não puseram em causa a explicação. Lembremos que também o colonialismo da época moderna fora justificado com o argumento de se estar a expandir a fé cristã e a civilização ocidental a povos primitivos que não sabiam tomar boa conta de si mesmos. E então em nome da fé e da civilização, as potencias ocidentais da época mataram, escravizaram e roubaram – pura gatunagem e malvadez.

De facto, no Iraque, uma vez triunfante a invasão, foi constituída uma ‘autoridade provisória da coalizão’ (2003)   - uma espécie de governo provisório – que decretou as seguintes medidas:

·        Completa privatização das empresas públicas; (compradas por particulares a preço de saldo, sendo o povo delas espoliado)

·        Direitos de propriedade irrestritos para as firmas estrangeiras no Iraque (apropriação irrestrita por estrangeiros dos recursos do pais);

·        Completa repatriação de lucros obtidos por essas empresas (nada de investir no país os lucros nele obtidos);

·        Abertura dos bancos iraquianos a controlo estrangeiro (favorecimento da finança internacional);

·        Eliminação de barreiras comerciais (favorecimento do livre comércio para os mesmos do costume).

Estas medidas são bem elucidativas dos objetivos que presidiram à invasão; não têm nada a ver com democracia e têm tudo a ver com saque e pilhagem; nada de novo sob a roda do sol, exceto que agora a pírula é dourada com doses descomunais de hipocrisia.

Retomando a tese aqui defendida sobre a natureza instrumental das guerras, quando os Estados Unidos invadem o Iraque e impõem medidas como estas o que estão a fazer é a criar condições para que se dê a acumulação capitalista tanto por parte de nacionais como de capitalistas estrangeiros, é esta uma forma de continuar com o fenómeno da chamada acumulação primitiva, ou seja continuar a engrossar o bolo, passando o que era do povo para as mãos de privados, tudo em nome da justiça e da eficiência, com o beneplácito do direito (do mais forte).  Como efeitos secundários vem a destruição do pais, instabilidade, aumento do terrorismo e centenas de milhares de mortes. 

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