Movimento WOKE - Algumas reflexões.
O termo “woke”, cunhado na década de 30 do século
passado e recuperado recentemente, aquando do assassinato pela polícia de Michael
Brown, que catapultou para a ribalta o movimento “Black Lives Matter”, encontra-se
intimamente associado ao conceito de justiça racial; designa um movimento
ativista negro que acabou por abrigar também reivindicações de justiça
social em sentido mais amplo, incluindo a luta anti sexista e a luta pelo
reconhecimento LGTB.
‘Woke’ é um vocábulo que corresponde à forma pretérita
do verbo wake com o significado de
acordar e que é traduzível por Acordei, no sentido de “tomei consciência”;
fiquei alerta do … racismo profundo que impregna a sociedade norte americana,
do sexismo e do preconceito contra outras orientações sexuais que não a
heterossexual!
De facto, com os ataques violentos contra os negros
pela Ku Klux Klan, organização supremacista branca terrorista, e com outras
formas de violência que também atingem os outros grupos sociais atrás
referidos, com a prevalência do preconceito como o atesta a violência policial
extrema contra negros, ainda nos nossos dias, todo o cuidado é pouco e é
preciso estar alerta, percebendo que os preconceitos raciais e sexuais se encontram
impregnados nas estruturas da sociedade, constituem uma ameaça real e para serem
erradicados tem de ser denunciados, de outra maneira manter-se-ão, pois as próprias vítimas serão em simultâneo
cúmplices.
Temos assim que o movimento woke é nas suas origens e
fundamento um movimento político negro e isso é insuportável para os
supremacistas brancos e para os nostálgicos do passado, que tudo fazem para o
solapar.
De facto, o
movimento woke é alvo de ataques promovidos pela direita e sobretudo pela
extrema direita, que paradoxal e desavergonhadamente o acusa de extremista, de radical
e até de insano, com o objetivo de o descredibilizar. Aqueles que o atacam fazem tábua rasa de toda
uma memória de brutalidade extrema cometida precisamente por fações da direita contra a população negra, mesmo depois e na sequência da abolição da
escravatura e no rescaldo da guerra da secessão (1861-1865).
Não vamos dizer que o movimento woke não cometa exageros,
por vezes confundindo ‘alhos com bugalhos’, como se costuma dizer, mas o que são
esses eventuais exageros quando comparados ao sofrimento de toda uma população infligido
arbitrariamente, de forma tão brutal e durante tanto tempo? Estamos perante
realidades incomensuráveis e só por ma fé se pode pretender ignorá-lo.
O movimento woke, enquanto movimento de luta e de resistência,
é necessário, tem razão de existir, e é preciso ouvi-lo com a devida
atenção e não o achincalhar porque tal atitude responde a propósitos
inconfessáveis.
A extrema direita acusa este movimento de vários
‘pecados’, para mais justificadamente o derrubar. Vejamos então.
Ataca o movimento daquilo que designa de ‘marxismo cultural’,
o que quer que isso seja; presumivelmente imagina-o como uma luta pela
divulgação de ideias que mudariam a face da sociedade americana e a tornariam
culturalmente recetiva à aceitação de uma estrutura económica e política
comunista. Neste particular o ataque ao que designam por ‘teoria racial crítica’
é constante e tem por objetivo entre outras coisas evitar que nas escolas sejam
revelados e abordados acontecimentos históricos representativos da opressão da
população negra dos Estados Unidos. Quer dizer pretende-se preservar a
narrativa dominante que, como qualquer pessoa dotada de honestidade intelectual
mínima reconhece, é facciosa e enaltece as virtudes do vencedor a expensas da
exposição de pretensos vícios e inferioridades do vencido.
Acusa-o ainda de não respeitar a liberdade de expressão de
pensamento, ao instaurar o que é politicamente correto e o que não o é, e ao
promover o que chama de cultura do cancelamento em relaçao aos que não observam
o politicamente correto; ignora-se assim ostensivamente que a liberdade de expressão
tem limites e que os discursos de ódio devem ser denunciados pelo menos quando
expostos na esfera pública pois não são inofensivos, bem ao contrário incitam à violência e ao
terrorismo. A direita, e sobretudo a extrema direita, pretende continuar a usar, em nome da liberdade de expressão, que hipocritamente
defende, linguagem ofensiva e discriminatória que alimenta o racismo e o
sexismo estruturais persistentes na sociedade, como se tivesse todo o direito
de o fazer, como se fosse algo normal e fosse antidemocrático impedi-lo. Ora
devíamos ter memória histórica: normalizar o racismo e o sexismo, isto é tornar
normal a expressão de sentimentos racistas e sexistas, é o primeiro degrau para
garantir a persistência da supremacia branca e da dominação masculina; em
contrapartida, pretender inculcar a ideia de que combater o racismo, o sexismo e fenómenos afins é algo anormal, promovido por extremistas e radicais, é procurar alimentar a ideia de que se está a atacar os homens brancos heterossexuais - as
novas vítimas do século XXI.
Assim, é legitimo concluir que, quando políticos e
outros setores acusam o movimento woke de extremismo e de insanidade, estão, sem
o dizerem diretamente, a expressar o preconceito racista que alimentam, e o eleitorado
racista percebe-o de imediato e fideliza-se. É uma maneira, em minha opinião,
infame de baterem naqueles que, às vezes desastradamente, é certo, procuram a
justiça social que lhes continua a ser negada, e representa nítida falta de memória
histórica do que o país fez aos negros e da reparação que tarda em lhes
conceder.
A existência de um ativismo de resistência negra faz
todo o sentido, se aceitarmos que a justiça social não é uma palavra vã. Claro que nesta altura do campeonato já muito
boa gente tem a cabeça feita pelo neoliberalismo – nos antípodas do marxismo
cultural acima referido - no sentido de
nem sequer entender o conceito de justiça social pois apenas percebe que é:
‘cada um por si e Deus por todos’ – uma espécie de retorno contemporâneo ao
estado de natureza que - julgava-se – teria ficado lá para trás!
Convido a verem no you tube um video sobre Grada Kilombo que me parece desvendar um pouco do espirito do movimento Woke: Grada Kilombo, O Barco, The Boat
ResponderEliminar