domingo, 10 de setembro de 2023

 

Movimento WOKE - Algumas reflexões.  

O termo “woke”, cunhado na década de 30 do século passado e recuperado recentemente, aquando do assassinato pela polícia de Michael Brown, que catapultou para a ribalta o movimento “Black Lives Matter”, encontra-se intimamente associado ao conceito de justiça racial; designa um movimento ativista negro que acabou por abrigar também reivindicações de justiça social em sentido mais amplo, incluindo a luta anti sexista e a luta pelo reconhecimento LGTB.

‘Woke’ é um vocábulo que corresponde à forma pretérita  do verbo wake com o significado de acordar e que é traduzível por Acordei, no sentido de “tomei consciência”; fiquei alerta do … racismo profundo que impregna a sociedade norte americana, do sexismo e do preconceito contra outras orientações sexuais que não a heterossexual!

De facto, com os ataques violentos contra os negros pela Ku Klux Klan, organização supremacista branca terrorista, e com outras formas de violência que também atingem os outros grupos sociais atrás referidos, com a prevalência do preconceito como o atesta a violência policial extrema contra negros, ainda nos nossos dias, todo o cuidado é pouco e é preciso estar alerta, percebendo que os preconceitos raciais e sexuais se encontram impregnados nas estruturas da sociedade, constituem uma ameaça real e para serem erradicados tem de ser denunciados, de outra maneira manter-se-ão, pois  as próprias vítimas serão em simultâneo cúmplices.

Temos assim que o movimento woke é nas suas origens e fundamento um movimento político negro e isso é insuportável para os supremacistas brancos e para os nostálgicos do passado, que tudo fazem para o solapar.

 De facto, o movimento woke é alvo de ataques promovidos pela direita e sobretudo pela extrema direita, que paradoxal e desavergonhadamente o acusa de extremista, de radical e até de insano, com o objetivo de o descredibilizar.  Aqueles que o atacam fazem tábua rasa de toda uma memória de brutalidade extrema cometida precisamente por fações da direita contra a população negra, mesmo depois e na sequência da abolição da escravatura e no rescaldo da guerra da secessão (1861-1865).

Não vamos dizer que o movimento woke não cometa exageros, por vezes confundindo ‘alhos com bugalhos’, como se costuma dizer, mas o que são esses eventuais exageros quando comparados ao sofrimento de toda uma população infligido arbitrariamente, de forma tão brutal e durante tanto tempo? Estamos perante realidades incomensuráveis e só por ma fé se pode pretender ignorá-lo.

O movimento woke, enquanto movimento de luta e de resistência, é necessário, tem razão de existir, e é preciso ouvi-lo com a devida atenção e não o achincalhar porque tal atitude responde a propósitos inconfessáveis.

A extrema direita acusa este movimento de vários ‘pecados’, para mais justificadamente o derrubar. Vejamos então.

Ataca o movimento daquilo que designa de ‘marxismo cultural’, o que quer que isso seja; presumivelmente imagina-o como uma luta pela divulgação de ideias que mudariam a face da sociedade americana e a tornariam culturalmente recetiva à aceitação de uma estrutura económica e política comunista. Neste particular o ataque ao que designam por ‘teoria racial crítica’ é constante e tem por objetivo entre outras coisas evitar que nas escolas sejam revelados e abordados acontecimentos históricos representativos da opressão da população negra dos Estados Unidos. Quer dizer pretende-se preservar a narrativa dominante que, como qualquer pessoa dotada de honestidade intelectual mínima reconhece, é facciosa e enaltece as virtudes do vencedor a expensas da exposição de pretensos vícios e inferioridades do vencido.

Acusa-o ainda de  não respeitar a liberdade de expressão de pensamento, ao instaurar o que é politicamente correto e o que não o é, e ao promover o que chama de cultura do cancelamento em relaçao aos que não observam o politicamente correto; ignora-se assim  ostensivamente que a liberdade de expressão tem limites e que os discursos de ódio devem ser denunciados pelo menos quando expostos na esfera pública pois não são inofensivos,  bem ao contrário incitam à violência e ao terrorismo. A direita, e sobretudo a extrema direita, pretende continuar a usar, em nome da liberdade de expressão, que hipocritamente defende, linguagem ofensiva e discriminatória que alimenta o racismo e o sexismo estruturais persistentes na sociedade, como se tivesse todo o direito de o fazer, como se fosse algo normal e fosse antidemocrático impedi-lo. Ora devíamos ter memória histórica: normalizar o racismo e o sexismo, isto é tornar normal a expressão de sentimentos racistas e sexistas, é o primeiro degrau para garantir a persistência da supremacia branca e da dominação masculina; em contrapartida, pretender inculcar a ideia de que combater o racismo, o sexismo e fenómenos afins é algo anormal, promovido por extremistas e radicais, é procurar alimentar a ideia de que se está a atacar os homens brancos heterossexuais - as  novas vítimas do século XXI.

Assim, é legitimo concluir que, quando políticos e outros setores acusam o movimento woke de extremismo e de insanidade, estão, sem o dizerem diretamente, a expressar o preconceito racista que alimentam, e o eleitorado racista percebe-o de imediato e fideliza-se. É uma maneira, em minha opinião, infame de baterem naqueles que, às vezes desastradamente, é certo, procuram a justiça social que lhes continua a ser negada, e representa nítida falta de memória histórica do que o país fez aos negros e da reparação que tarda em lhes conceder.

A existência de um ativismo de resistência negra faz todo o sentido, se aceitarmos que a justiça social não é uma palavra vã.  Claro que nesta altura do campeonato já muito boa gente tem a cabeça feita pelo neoliberalismo – nos antípodas do marxismo cultural acima referido -  no sentido de nem sequer entender o conceito de justiça social pois apenas percebe que é: ‘cada um por si e Deus por todos’ – uma espécie de retorno contemporâneo ao estado de natureza que - julgava-se – teria ficado lá para trás!

1 comentário:

  1. Convido a verem no you tube um video sobre Grada Kilombo que me parece desvendar um pouco do espirito do movimento Woke: Grada Kilombo, O Barco, The Boat

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