Guerra cultural anti woke
Lutas antirracistas e anti sexistas,
ou pelo menos algumas das suas manifestações, eram vistas até há pouco como
casos exemplares de justiça social; todavia, mais recentemente, passaram a ser
percebidas por alguns setores, que, digamos assim, ganharam coragem para ‘sair
do armário’, como radicalismos perfeitamente despropositados e enquanto tal
carentes de legitimidade. Esta reação coincide com o avanço da extrema direita
a que estamos assistindo, estimulado pelas dificuldades que as democracias
liberais estão a encontrar junto do eleitorado que tende a culpar os políticos
e as políticas pelos problemas com que as pessoas se deparam no seu quotidiano.
É neste contexto que se situa a
guerra cultural anti woke que mobiliza algumas camadas da sociedade e que de
certa maneira funciona como uma manobra para desviar a atenção das pessoas atingindo
alvos que podem funcionar como bodes expiatórios. Se indagarmos do extrato
político e social dessas camadas confirmamos que maioritariamente estamos
perante extratos conservadores, ligados ao pensamento de direita e de extrema
direita, embora neste caso também inclua pessoas ligadas à esquerda liberal,
eventualmente, agastadas com certas atitudes e posições que consideram
excessivas e desproporcionadas.
Para normalizar o racismo, o sexismo
e outros tipos de discriminação é muito conveniente fazer passar a mensagem de
que todos aqueles e aquelas que lutam contra estes fenómenos são anormais;
desse modo e por contraposição, estes mesmos fenómenos passam a ser percebidos
como normais. Continuar a usar linguagem que deprecia um povo de determinada
raça ou grupo social ou continuar a objetificar as mulheres serão coisas
inocentes e perfeitamente normais, só um anormal, destituído de senso comum e
de sentido de humor nelas irá reparar.
Neste contexto esquece-se que o difícil
não é ser racista ou sexista, o difícil é ser contra, ou seja, contrariar a
tendência que temos para desenvolver uma mentalidade racista, sexista (e, em última
análise, fascista), sobretudo, se estivermos do lado da barricada que sai, ou
julga sair, beneficiada com essas posições. Por exemplo, os brancos pobres
podem sentir que a sua autoimagem é positivamente reforçada pela existência de
outros indivíduos que ainda ocupam um lugar mais baixo na escala social.
Se o objetivo é normalizar o racismo
e outros tipos de discriminação negativa denunciando como anormais, porque
extremistas, dogmáticos e fanáticos, aqueles que os denunciam, a estratégia
consiste em procurar chamar a atenção para procedimentos de elementos do
movimento Woke que, alegam, apontam para essa anormalidade. Nesse sentido, os
críticos do movimento Woke acusam-no de dois pecados capitais: recorrer ao que
designam de política do cancelamento e a medidas tendentes a coartar a
liberdade de expressão de pensamento das pessoas que deles discordam; e assumem
desse modo o papel de vítimas.
Todavia, quando, numa primeira
abordagem, consulto o Google para me informar sobre a ideologia e cultura Woke,
vejo inúmeras publicações que fazem uma avaliação negativa do movimento e não
encontro praticamente nenhuma neutra e muito menos positiva. No mínimo é
preocupante e parece mostrar que afinal quem está a ser cancelado são os
representantes e defensores deste movimento e não os seus detratores. Acusam-no
de ser uma espécie de veneno que está a destruir a sociedade americana e o
Ocidente, mas, como é habitual, a argumentação em defesa de tal tese é fraca ou
mesmo secundarizada, como se bastasse execrá-lo.
Um dos argumentos a que mais
frequentemente recorrem consiste em acusar o movimento Woke de, sobretudo
através das redes sociais, cancelar pessoas cujas palavras ou atos, por um
qualquer motivo, são considerados politicamente incorretos; fragilizando desse modo
o seu prestígio e influência. Mas, mesmo aceitando-se que tal seja verdade, se
bem repararmos, estar-se-ia tão simplesmente a fazer aquilo que os críticos do
movimento fizeram e continuam descaradamente a fazer. Com estes está tudo bem,
mas com os negros? Com as mulheres e homens feministas? Com as minorias não
heterossexuais? Como se atrevem?!
Portanto é legitimo deduzir que o
objetivo do movimento anti woke é, como acima referido, normalizar o racismo e
outras atitudes sociais discriminatórias, e desse nodo naturalizar as situações
de dominação e opressão que passam pela desumanização do outro, do que é
dominado e oprimido porque é inferior, e naturalmente precisa de tutela – o
natural transforma-se assim em normativo, é o que deve ser, não o aceitar é ser
anormal, é não seguir a norma.
Tudo isto para concluir que basicamente
o movimento anti woke é um movimento reacionário, conservador na melhor das
hipóteses - pretende congelar o passado para a ele retornar, mesmo se,
entretanto, se tiver procedido a algum aggiornamento.
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