segunda-feira, 17 de abril de 2023

 

Ordem política unipolar ou multipolar – em que ficamos?

A ordem política mundial unipolar, caraterizada pela hegemonia dos Estados Unidos, existe praticamente desde o termo da segunda guerra mundial que devastou a Europa e lhe reservou o palco e o protagonismo.

Ora, no século XXI, mais precisamente no início da terceira década, China e Rússia pretendem eliminar essa ordem e substitui-la por uma de natureza multipolar. Nada de mais legítimo, parece! Quem não concordar deve apresentar argumentos, pois cabe-lhe o ónus da prova.

O ‘império’ norte-americano reage como seria de esperar e, através dos seus braços tentaculares, tem procurado minar o acerto entre a China e a Rússia; ainda recentemente, às vésperas da visita do líder chinês à Rússia, o Tribunal Penal Internacional emitiu um mandato de prisão contra Putin sob a acusação de que este seria um criminoso de guerra; esquecia piedosamente a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, à revelia do direito internacional, bem como outras inúmeras tropelias. Nitidamente, dois pesos e duas medidas: se é russo é criminoso, se é norte americano é herói nacional. 

Por outro lado, é hoje bastante óbvio que a invasão da Ucrânia pela Rússia foi provocada pela ameaça que os Estados Unidos, via OTAN, representavam para a segurança e integridade territorial da Rússia e que esta guerra se constituiu como uma guerra por procuração visando enfraquecer a Rússia para de seguida transformar a China num alvo legítimo de ataque, obrigando esta a reagir em relaçao a Taiwan, que os Estados Unidos tentam ‘anexar’ informalmente. Como se vê a estratégia é a mesma e tem o mesmo objetivo: criar condições que levaram primeiro a Rússia e depois poderão levar a China a tomar a iniciativa de atacar para puderem dizer, à boca cheia, que há um agressor e um agredido e que o Ocidente, por motivo dos seus elevados padrões éticos, é obrigado a intervir a favor do agredido. Hipocrisia maior é difícil de imaginar, mas bem cozinhada pelos media é engolida pelas populações que não percebem os contornos capitalistas destas guerras e que alinham sem questionar, não entendendo que são instrumentalizadas para que a acumulação capitalista e o enriquecimento dos seus promotores possa ocorrer, enquanto o cidadão comum é convidado a fazer sacrifícios e a empobrecer a ritmo acelerado. Depois, se der, “os donos disto tudo” distribuem algumas migalhas do banquete que estão a preparar.  

No meio há um pormenor que pareceu escapar ao império; será que não percebeu que a aliança entre Rússia e China seria inevitável, que estava a lançar uns nos braços dos outros, como Kissinger, com a sua esperteza de rato, rapidamente percebeu? Será que os Estados Unidos não entenderam que estavam a ir além da conta? Ou será que num sistema capitalista este tipo de fenómeno é inevitável, para se processar a acumulação de capital nas mãos de uns em detrimento de outros? Uma espécie de jogo de soma zero, tipo: +1 -1= 0; ou seja, o que eu ganho o outro perde.

Em sequência, a China tem vindo a posicionar-se no sentido de ser um elemento importante na mediação de conflitos entre outros países, vide o caso mais flagrante do acordo entre Irão e Arábia Saudita que intermediou. Este apaziguamento é um sério revés para os Estados Unidos que sabotaram o gasoduto Nord stream 2 que abastecia 40% da união europeia.

Resumindo, pode dizer-se que, enquanto os Estados Unidos parecem privilegiar a competição, a China procura promover a cooperação ao invés do conflito. É essa a imagem que passa.

Todavia, para fragilizar qualquer eventual apoio às pretensões de se pôr um termo a ordem mundial unipolar, alega-se que China, Rússia, Irão, e Arábia Saudita são países autoritários e tal é verdadeiro; mas que dizer dos países que, como os E. U, se apresentam como não autoritários? O facto é que, enquanto os primeiros se centram na cooperação, este último estimula a guerra e a competição com o objetivo de mandar nos outros, apresentando-se internamente democrático, mas comportando-se externamente de forma profundamente antidemocrática.

Ora para compreender o processo histórico é preciso levar em conta os circunstancialismos históricos: é facto que a China tem um regime autoritário, mas também é facto que promove um entendimento entre países não na base da dominação, mas na base da cooperação. Assim sendo, neste contexto histórico quem devemos apoiar?  Alem disso, o sucesso da China é para já o sucesso de um mundo multipolar e perguntemo-nos: o que é mais conveniente para as nações e para a sua autonomia e não opressão? É um sistema mundial unipolar ou o multipolarismo? Este implica cooperação, aquele estimula naturalmente a competição porque faz parte da lógica do sistema e a lógica é inelutável.

Por isso, falemos um pouco de lógica. A lógica a que se costuma recorrer é a lógica binária, de raiz aristotélica. Só admite dois polos o branco e o preto, o verdadeiro e o falso; é a lógica do princípio de identidade, do “ou é ou não é”, é uma lógica não dialética, pensada para enquadrar uma realidade estática. Mas a realidade é dinâmica, e essa lógica por esse motivo não permite compreender que estados autoritários em política interna possam ser não autoritários em política externa e vice-versa, não percebe as nuances. 

Também não permite compreender que os estados autoritários são estados que frequentemente se formaram libertando-se de um estado hegemónico (vide o exemplo flagrante de Cuba) e que até por uma questão de sobrevivência face a eventuais ataques do estado hegemónico se viram obrigados a organizar-se de forma autoritária, de modo a criar uma barreira impenetrável. Por exemplo, é bastante óbvio que a China, se não contasse com um aparelho estatal forte e autoritário, já tinha sido desmembrada pelo estado hegemónico (é bom não esquecer que a China embora nunca tenha sido uma colonia do Ocidente - colonialismo de assentamento- mesmo assim este, através do império britânico, procurou impor-lhe os seus interesses específicos e oprimi-la.

 Isto deve fazer-nos refletir sobre as causas e os antecedentes dos regimes ditos autoritários, pelo menos de alguns deles e deve-nos levar a abandonar o senso comum simplista que nos empurra para respostas fáceis, mas enganosas e que é enquadrado pela lógica binária que acima referimos. Deve obrigar-nos a pensar dialeticamente.

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