Ordem política unipolar ou
multipolar – em que ficamos?
A ordem política mundial unipolar, caraterizada pela
hegemonia dos Estados Unidos, existe praticamente desde o termo da segunda
guerra mundial que devastou a Europa e lhe reservou o palco e o protagonismo.
Ora, no século XXI, mais precisamente no início da
terceira década, China e Rússia pretendem eliminar essa ordem e substitui-la
por uma de natureza multipolar. Nada de mais legítimo, parece! Quem não
concordar deve apresentar argumentos, pois cabe-lhe o ónus da prova.
O ‘império’ norte-americano reage como seria de
esperar e, através dos seus braços tentaculares, tem procurado minar o acerto
entre a China e a Rússia; ainda recentemente, às vésperas da visita do líder
chinês à Rússia, o Tribunal Penal Internacional emitiu um mandato de prisão
contra Putin sob a acusação de que este seria um criminoso de guerra; esquecia
piedosamente a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, à revelia do direito
internacional, bem como outras inúmeras tropelias. Nitidamente, dois pesos e
duas medidas: se é russo é criminoso, se é norte americano é herói
nacional.
Por outro lado, é hoje bastante óbvio que a invasão da
Ucrânia pela Rússia foi provocada pela ameaça que os Estados Unidos, via OTAN,
representavam para a segurança e integridade territorial da Rússia e que esta
guerra se constituiu como uma guerra por procuração visando enfraquecer a
Rússia para de seguida transformar a China num alvo legítimo de ataque,
obrigando esta a reagir em relaçao a Taiwan, que os Estados Unidos tentam
‘anexar’ informalmente. Como se vê a estratégia é a mesma e tem o mesmo
objetivo: criar condições que levaram primeiro a Rússia e depois poderão levar
a China a tomar a iniciativa de atacar para puderem dizer, à boca cheia, que há
um agressor e um agredido e que o Ocidente, por motivo dos seus elevados padrões
éticos, é obrigado a intervir a favor do agredido. Hipocrisia maior é difícil de
imaginar, mas bem cozinhada pelos media é engolida pelas populações que
não percebem os contornos capitalistas destas guerras e que alinham sem
questionar, não entendendo que são instrumentalizadas para que a acumulação
capitalista e o enriquecimento dos seus promotores possa ocorrer, enquanto o cidadão
comum é convidado a fazer sacrifícios e a empobrecer a ritmo acelerado. Depois,
se der, “os donos disto tudo” distribuem algumas migalhas do banquete que estão
a preparar.
No meio há um pormenor que pareceu escapar ao império;
será que não percebeu que a aliança entre Rússia e China seria inevitável, que
estava a lançar uns nos braços dos outros, como Kissinger, com a sua esperteza
de rato, rapidamente percebeu? Será que os Estados Unidos não entenderam que
estavam a ir além da conta? Ou será que num sistema capitalista este tipo de
fenómeno é inevitável, para se processar a acumulação de capital nas mãos de
uns em detrimento de outros? Uma espécie de jogo de soma zero, tipo: +1 -1= 0;
ou seja, o que eu ganho o outro perde.
Em sequência, a China tem vindo a posicionar-se no
sentido de ser um elemento importante na mediação de conflitos entre outros
países, vide o caso mais flagrante do acordo entre Irão e Arábia Saudita que intermediou.
Este apaziguamento é um sério revés para os Estados Unidos que sabotaram o
gasoduto Nord stream 2 que abastecia 40% da união europeia.
Resumindo, pode dizer-se que, enquanto os Estados
Unidos parecem privilegiar a competição, a China procura promover a cooperação
ao invés do conflito. É essa a imagem que passa.
Todavia, para fragilizar qualquer eventual apoio às pretensões
de se pôr um termo a ordem mundial unipolar, alega-se que China, Rússia, Irão,
e Arábia Saudita são países autoritários e tal é verdadeiro; mas que dizer dos países
que, como os E. U, se apresentam como não autoritários? O facto é que, enquanto
os primeiros se centram na cooperação, este último estimula a guerra e a
competição com o objetivo de mandar nos outros, apresentando-se internamente democrático,
mas comportando-se externamente de forma profundamente antidemocrática.
Ora para compreender o processo histórico é preciso levar
em conta os circunstancialismos históricos: é facto que a China tem um regime
autoritário, mas também é facto que promove um entendimento entre países não na
base da dominação, mas na base da cooperação. Assim sendo, neste contexto
histórico quem devemos apoiar? Alem
disso, o sucesso da China é para já o sucesso de um mundo multipolar e perguntemo-nos:
o que é mais conveniente para as nações e para a sua autonomia e não opressão?
É um sistema mundial unipolar ou o multipolarismo? Este implica cooperação,
aquele estimula naturalmente a competição porque faz parte da lógica do sistema
e a lógica é inelutável.
Por isso, falemos um pouco de lógica. A lógica a que se costuma recorrer é a lógica binária, de raiz aristotélica. Só admite dois polos o branco e o preto, o verdadeiro e o falso; é a lógica do princípio de identidade, do “ou é ou não é”, é uma lógica não dialética, pensada para enquadrar uma realidade estática. Mas a realidade é dinâmica, e essa lógica por esse motivo não permite compreender que estados autoritários em política interna possam ser não autoritários em política externa e vice-versa, não percebe as nuances.
Também não permite compreender
que os estados autoritários são estados que frequentemente se formaram
libertando-se de um estado hegemónico (vide o exemplo flagrante de Cuba) e que
até por uma questão de sobrevivência face a eventuais ataques do estado
hegemónico se viram obrigados a organizar-se de forma autoritária, de modo a criar
uma barreira impenetrável. Por exemplo, é bastante óbvio que a China, se não
contasse com um aparelho estatal forte e autoritário, já tinha sido desmembrada
pelo estado hegemónico (é bom não esquecer que a China embora nunca tenha sido
uma colonia do Ocidente - colonialismo de assentamento- mesmo assim este,
através do império britânico, procurou impor-lhe os seus interesses específicos
e oprimi-la.
Isto deve
fazer-nos refletir sobre as causas e os antecedentes dos regimes ditos
autoritários, pelo menos de alguns deles e deve-nos levar a abandonar o senso
comum simplista que nos empurra para respostas fáceis, mas enganosas e que é
enquadrado pela lógica binária que acima referimos. Deve obrigar-nos a
pensar dialeticamente.
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